Aprovado na noite de ontem (08/04), na Câmara dos
Deputados, com amplíssima maioria de 324 votos a favor e somente 137 contra, o
Projeto de Lei n. 4.330/04, do ex-deputado Sandro Mabel (PMDB/GO), impõe-se,
desde já, como alternativa, a pior, às formas de contratação de trabalho no
país, permitindo a terceirização em todas as áreas de atividade da empresa,
inclusive nas atividades fim.
Numa operação a fórceps liderada pelo presidente da
Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), o PL 4.330/04, que dormitava na Casa há mais
de uma década, ganhou condição de urgência, sendo apoiado abertamente pelas
bancadas parlamentares de quase todos os partidos do parlamento, a exceção de
PT, PCdoB e PSOL, que orientaram seus deputados pelo voto contrário à
proposição. Partidos que diziam defender bandeiras trabalhistas, como PDT, PTB,
PSB e Solidariedade, optaram por orientar as bancadas pelo voto favorável à
proposta. Junto a estes, também se somou o PMDB, que, cada vez mais próximo ao
PSDB e DEM, faz clara oposição ao governo da presidenta Dilma Rousseff na
Câmara, apesar de, no Executivo, conduzir importantes ministérios e ocupar
estratégicos espaços diretivos, um dos quais a própria articulação política do
governo, através do vice-presidente Michel Temer.
Como se sabe, atualmente, a terceirização, ou seja,
a prestação de serviços contratada através de terceiro intermediário encontra
fundamento na Súmula 331, do TST, a qual facilita citada possibilidade, apenas
nos casos do trabalho temporário da Lei n. 6.019/74, bem como em áreas de vigilância
(Lei 7.102/83), conservação e limpeza, além de serviços especializados ligados
à atividade-meio do tomador de serviços, desde que não existindo pessoalidade e
subordinação direta na relação do tomador e a mão-de-obra avocada.
Ainda assim, a súmula prevê a responsabilidade
subsidiária do tomador, seja este integrante ou não da administração pública
direta ou indireta, na fiscalização e no adimplemento das verbas trabalhistas
não quitadas pela empresa interposta (prestadora) com os trabalhadores terceirizados.
O que pretende a Corte trabalhista com a Súmula 331
é evitar a aplicação da terceirização em todas as atividades da empresa,
vinculando-lhe à responsabilidade direta sobre os encargos laborais oriundos
das prestações de serviço fundamentais ao seu funcionamento, garantindo aos
respectivos trabalhadores a segurança da aproximação imediata com o patrão,
para fins de percepção das contraprestações devidas, especialmente salários,
dentre outras obrigações laborais.
O problema todo da terceirização reside na
constatação histórica de que os serviços contratados mediante esta forma de
regulação adquirem nuances de maior precariedade que a contratação de trabalho
convencional regida pela CLT. Para começar, na terceirização, contratam-se
serviços, enquanto no modelo convencional, contratam-se pessoas. Desde aí,
inúmeras diferenças há, em tratamento jurídico, entre um instituto e outro.
A proteção sindical dos empregados do quadro
próprio do tomador de serviços é uma proteção mais sólida e eficiente, pelo fato
deles formarem uma comunidade homogênea. Essa situação difere dentre os
trabalhadores vinculados ao regime de terceirização, não raramente submetidos a
uma escala rotativa em diferentes locais de trabalho, que lhes torna invisíveis
à proteção dos respectivos sindicatos, lhes dificultando a mobilização e a
participação nas políticas sindicais.
Por consequência, os salários e as condições gerais
laborais dos trabalhadores terceirizados são, normalmente, piores que os dos
empregados contratados segundo o modelo padrão, criando-se um profundo
mal-estar no âmbito interno organizacional, na medida em que parte do quadro
laboral é mais desguarnecida em segurança que outra parte, mesmo o conjunto
despendendo força de trabalho em único ambiente empresarial.
Ainda em função dessa maior precarização
conjuntural, estando mais vulneráveis a riscos, os trabalhadores terceirizados
se submetem a jornadas laborais mais rigorosas e extensas, e sofrem mais
acidentes de trabalho, situação que automaticamente implica em elevação de
gastos estatais com assistência médica e proteção securitária.
A possibilidade de fraude no sistema de contratação
via terceirização é infinitamente maior que no sistema padrão, uma vez que, não
raramente, a terceirização é consumada através de contratação de pessoas
jurídicas irregulares (via pejotização), ou, mesmo, de falsas cooperativas de
trabalho, organizadas, com o fim único e exclusivo de surrupiar direitos
laborais e custeios previdenciário e fiscal.
Agora some-se à toda precarização narrada no âmbito
do direito privado, o risco que o precedente do PL 4.330/04 impõe à
administração pública, se para ali estendido, onde, via de regra,
atividades-meio já são terceirizadas. Pouco faltará para ser o fim dos
concursos públicos, da carreira estatutária.
É inequívoco, portanto, que a proposta legislativa
em lume, possui intenção deliberada de ferir a dignidade do trabalhador,
vilipendiando a Constituição de 1988 em inúmeros artigos, dentre os quais: o
artigo 1º, inciso II, que destaca a dignidade da pessoa humana como um dos
fundamentos da República; artigo 3º, incisos I, II e IV, que, consequentemente,
conclamam a construção de uma sociedade justa, a erradicação das desigualdades
sociais e o combate a todas as formas de discriminação; artigo 7º, inciso XXII,
que propaga a redução dos riscos inerentes ao trabalho; artigo 8º, caput, que
consagra e promove a associação sindical; além do artigo 170, que reza que a
ordem econômica nacional deve fundar-se na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, para o fim de assegurar a existência digna a todos. Além
disso, ignora todas as disposições da legislação infraconstitucional que se
dedicam ao combate da precarização do trabalho, bem como as que enfrentam as condutas
anti-sindicais.
Finalmente, o PL 4.330/04 também faz ouvidos de
mercador para a existência do princípio do não retrocesso social, segundo o
qual impõe-se como impossível, alteração do ordenamento jurídico a pior,
sobretudo no que diz respeito aos direitos sociais, devendo os trabalhadores
endurecer a defesa contrária da medida recém aprovada na Câmara, cobrando, do
Senado, seu rechaço, e, havendo necessidade, da presidenta Dilma Rousseff, o
veto, situação em que deverá desdobrar-se em esforços para demover o Congresso
da fatídica invenção legislativa.
A alteração laboral do PL 4.330/04 é o mais grave
atentado ao direito dos trabalhadores havido, no Brasil, desde 1967, quando,
instituído o regime de FGTS, passou-se a, paulatinamente, combalir a estabilidade
decenal prevista pela CLT. Tal modificação marcou época ao sedimentar a
institucionalização do desequilíbrio entre as forças que compõem a relação de
trabalho, patrões e empregados, cuja natureza já era, por si só, desnivelada.
Hoje, o PL 4.330/04 ameaça aprofundar este desequilíbrio, precarizando, ainda
mais, as condições de trabalho e o sistema de fiscalização e proteção laboral,
sobretudo o sindical.
É absolutamente inaceitável que uma vulneração
trabalhista dessa natureza aconteça em pleno regime democrático. A propósito,
não custa lembrar que a terceirização, segundo já mencionado, foi inserida no
ordenamento nacional, primeiramente, para o trabalho temporário, por disposição
da Lei n. 6.019/74, sendo, ela mesma, herança perversa do período militar.
Marcelo Uchôa,
Advogado
FONTE: FETAMCE
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