A notícia de um espancamento, em Porto Alegre, da professora Jane de Leon Antunes, publicada nos jornais, deveria ter provocado uma reação sem precedentes por parte da nossa classe de professores.
Quando um aluno espanca uma professora desse modo, por motivo de uma "nota", e não vemos nem esboço de uma reação a altura, só notícias desencontradas e confusas, estamos, professores e autoridades, autorizando a sociedade a agir desse modo conosco.
Quando o delegado não prende, nem de forma preventiva, esse monstro; quando a imprensa e a polícia trata o agressor e a vítima de forma igual, deixando margem para um possível desmentido da versão da vítima; quando nossos sindicatos nem esboçam uma nota individual, que dirá conjunta, de desagravo e a própria vítima, coagida, se declara culpada por não ter sido preparada para lidar com esse tipo de violência, isso autoriza qualquer um a fazer conosco qualquer coisa, independentemente do cargo ou posto que ocupamos. Não importa se somos professores de escola pública ou particular, de nível fundamental, médio, técnico ou universitário, se diretor, coordenador, reitor ou ministro da educação. Evidentemente que quem toma pancada é quem lida diariamente e diretamente com alunos e pais deles.
Essa reação apática ao espancamento dessa professora, dentre inúmeros outros, sinaliza que somos uma classe que apenas insiste, mas já não existe, não se reconhece como tal. Temos, atualmente, menos direitos que muitas minorias um dia tiveram. Somos mais perseguidos, desautorizados e destituídos de poder que muitas minorias foram e são. Estamos em situação pior do que já estiveram , um dia, os escravos, as mulheres, as prostitutas, os viciados, os travestis, mendigos e até mesmo pior que de muitos mortos. Ser professor, hoje, deveria provocar vergonha e arrependimento em confissões públicas de cultos e missas.
Esse espancamento subrepticiamente autorizado e simbolicamente partilhado e até, de certa forma, comemorado pelo coletivo da sociedade como uma resistência às elites, expressada como uma violação explícita e violenta da integridade física de uma representante da nossa classe de professores deveria ser tomado pela classe como motivo suficiente para uma parada geral, com manifestações públicas por pelo menos um dia.
Essa agressão não é só sintoma da violência generalizada em que vive mergulhada a nossa sociedade, ela é sintoma de que essa mesma sociedade está assim porque não nos autoriza, enquanto uma instância social, que tem o dever de promover os bons valores e ensinar as regras do convívio civilizado, os direitos e deveres do cidadão a serem observados e seguidos, a tomar medidas para que isso efetivamente aconteça. Dar uma nota é uma dessas formas de educar. Nos desautorizar a fazer isso, implícita ou explicitamente, a dar nota, avaliar, é nos destituir do único instrumento simbólico que nos legitima legalmente a cumprir nossa função. Há muitas instâncias, até demais, nas instituições educativas e em outras instâncias, por outros meios legais, de se contestar uma mísera nota. Vide a titica que virou esse episódio da diplomação do deputado Tiririca. Nada, absolutamente nada, justifica violentar implícita ou explicitamente um professor por avaliar seu aluno.
Assistirmos a esse festival de agressões, a essa proposital desregulamentação da profissão e da classe, sendo mostrado como uma atração de circo, como mais um dos momentos bizarros de uma sociedade inexoravelmente estúpida, sem se perceber que a causa dessa violência está contextualizada às atitudes e costumes construídos em torno da atual imagem e legitimação do professor, é admitir que, enquanto uma classe, não existimos. Só somos lembrados em momentos episódicos em que, como zumbis, somos ressuscitados, retirados do anonimato, uma classe difusa, doente, mórbida, estúpida, amorfa, preconceituosa, mentirosa, asquerosa e esquisita, enfim, maldita e perfeitamente substituível, que a sociedade ainda não conseguiu se desvencilhar de todo. Por nos sentir assim e muitos dos nossos colegas avalizarem essa nossa imagem e condição, permiti-se que a classe, como bovinos descartáveis na arena, seja espancada, perseguida, até exterminada, pra ser novamente esquecida sem se esboçar reação.
Porém, reagir é admitir que somos o que somos - uma classe completamente marginalizada - uns mais e outros, nem tanto, mas como os vampiros, todos nós deixamos de ser capazes de nos enxergar diante do espelho. Quando aparecemos com nossos braços engessados e dentes quebrados estampados nas manchetes dos jornais, não conseguimos nem mesmo causar indignação na sociedade, como quando as crianças são estupradas e abusadas por pedófilos ou como quando mendigos são queimados em praça pública.
É essa classe de "indigentes" que atualmente nos deixamos e aceitamos nos tornar?!
Ou será vamos, finalmente, fazer alguma coisa?!!!
FONTE: Professor Woodson Fiorini de Carvalho
Nenhum comentário:
Postar um comentário