Com o título “A arte de ostentar fachadas”, eis artigo
do jornalista Felipe Araújo, editor-chefe de Cultura e Entretenimento
do O POVO. Ele comenta o caso de queda de parte da estrutura do Hospital
Regional do Norte, em sobral, inaugurado, inclusive, com show da
cantora Ivete Sangalo. Confira:
Ao saber da queda de
parte da estrutura da entrada do Hospital Regional Norte, em Sobral,
lembrei do verso de um poema com que me deparei recentemente na Internet
– cuja autoria não consegui confirmar. “Essa fachada de rocha,/ por
dentro é areia movediça”, diz a poesia. E pensei em como nossa política
é, em grande medida, a “arte” de ostentar fachadas.
Os semioticistas e
psicanalistas de plantão talvez consigam explicar esse traço de nossa
cultura. Mas o fato é que, mais do que em qualquer outra seara do debate
público, é no simbolismo dos pórticos, monumentos, inaugurações e
outras liturgias do gênero que nossos governantes gastam a maior parte
de suas energias – e do nosso dinheiro. Um expediente que é um fim em si
mesmo, um simulacro em que o “parecer ser” é (sempre) mais importante
do que o “ser”.
Voltando ao caso do
acidente em Sobral, penso como nosso atual governo do Estado é um típico
exemplo dessa obsessão por fachadas, dessa prioridade pelo continente
em detrimento do conteúdo. O hospital em questão, todos lembram , foi
inaugurado com um show nababesco da cantora Ivete Sangalo, mesmo sem ter
condições de funcionamento por falta de funcionários. E na mesma época
em que centenas de cearenses restam à míngua no “piscinão” do HGF.
O caso é apenas um de
uma longa lista de contradições semelhantes. Temos, por exemplo, as
viaturas policiais mais luxuosas do País, mas vivemos uma assustadora
epidemia de violência urbana. Temos também um estádio ostentador que não
serve aos clubes do futebol local. Teremos em breve um aquário (!) à
beira-mar enquanto milhares de sertanejos sofrem com uma seca dramática.
Temos delegacias com fachadas modernas, mas condições medievais de
acomodação dos presos – sem falar nas fugas recorrentes. Temos um
pomposo Centro de Eventos que não previu uma passarela de acesso para os
pedestres. Entre inúmeras outras estultícias.
E assim seguimos.
Entre fachadas imponentes a esconder a terrível “areia movediça” da
incompetência, do fisiologismo e do provincianismo.
* Felipe Araújo
felipearaujo@opovo.com.br
Editor-chefe de Cultura e Entretenimento
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