terça-feira, 1 de outubro de 2013

Educação de qualidade: o exemplo finlandês

Precisamos revolucionar a educação no Brasil. Para tanto, é útil sabermos o que países com bons resultados nesse campo têm feito. Estudo sobre o sistema educacional finlandês, classificado entre os primeiros no mundo, revela que as seguintes medidas, naquele país, tiveram impacto decisivo sobre a qualidade da educação:
Os requisitos para ingresso em cursos superiores voltados à formação de professores são bastante rigorosos. Os programas de formação são fortemente baseados em pesquisa (exigindo-se a apresentação de dissertação de mestrado), possuem forte componente prático (com exigência de estágio em escolas municipais), além de darem ênfase particular a métodos pedagógicos relacionados à identificação e ao acompanhamento de alunos com dificuldades de aprendizagem. Os salários são bons, embora inferiores à média de outros países com sistemas educacionais de qualidade. Os professores têm razoável grau de autonomia e desfrutam de grande prestígio. A carreira docente é cobiçada e apenas os melhores alunos, no ensino médico, conseguem ingressar em cursos para a formação de professores.
A oferta do ensino fundamental é de competência dos municípios, que têm autonomia para gerir recursos nessa área. Exige-se, no entanto, que todas as escolas, sem distinção, ofereçam educação de qualidade. A homogeneidade, a despeito da descentralização, parece ser garantida pelo forte investimento na formação de professores.
A atenção a alunos com dificuldades de aprendizagem é um dos pilares do sistema finlandês. Alunos que requeiram atenção especial são precocemente identificados por professores especializados, de modo a evitar que acumulem grande defasagem. Atendimento complementar (individualizado ou em grupos) é oferecido em todas as escolas, se necessário com apoio de enfermeiros, psicólogos ou assistentes sociais. Para casos mais graves, há escolas especiais. ?A matrícula nessa modalidade?, segundo Tatiana Britto, autora do estudo mencionado, ?depende de decisão do conselho municipal de educação, baseada em laudo psicológico, médico ou de assistente social, ouvidos obrigatoriamente os pais ou responsáveis. Nesse caso, os alunos seguem planos de aprendizagem customizados, com vistas a alcançar resultados de aprendizagem definidos caso a caso?. No ano escolar de 2008-2009, quase um terço dos alunos finlandeses recebeu algum tipo de atendimento especializado. Não se trata, portanto, de procedimento excepcional voltado apenas a casos graves. Trata-se de impedir que dificuldades leves e comuns, acumuladas ao longo do tempo, deem origem a disparidades desnecessárias de desempenho entre crianças igualmente dotadas de capacidade de aprender, embora em ritmos e condições distintas.
Com relação a testes e avaliações, deve-se notar que a Finlândia destoa de países que têm adotado programas incisivos de mensuração de resultados. Não há, naquele país, rankings entre estabelecimentos de ensino, nem bônus para professores por resultados alcançados. Segundo Britto, ?na visão de muitos educadores finlandeses, a pouca ênfase dada a avaliações padronizadas permite fugir do incentivo perverso de reduzir o ensino à preparação para os testes, permitindo uma abordagem mais ampla e aplicada dos conteúdos curriculares e a salvaguarda das prerrogativas de autonomia, criatividade e independência profissional do docente?.
A Finlândia construiu um sistema educacional de qualidade, público e gratuito, ao longo de quase três décadas. Reformas com longo prazo de maturação foram sustentadas no decorrer de muitos governos em virtude de ?consensos pluripartidários e sociais, mobilizando atores políticos diversos no debate e na implementação das decisões?, ainda segundo Tatiana Britto. De forma notável, o país dispensou modelos de inspiração empresarial que estimulam crianças e escolas a competir. A dedicação individual é estimulada num contexto cooperativo, evitando-se a pressão excessiva, hoje visível em muitas escolas, e que encurta a infância sem dar origem a jovens preparados para os desafios da vida real, seja no âmbito das relações interpessoais, seja no âmbito mais amplo da cidadania.
O exemplo finlandês demonstra, em resumo, que não existem atalhos. Educação de qualidade requer investimentos com longo prazo de maturação, orientados por uma visão adequada. Se queremos um país próspero, democrático e criativo, precisamos de escolas que promovam a excelência, respeitando diferenças, nas quais a cooperação prevaleça sobre a competição, sob a liderança altiva de professores qualificados, prestigiados e bem remunerados.
O estudo mencionado neste artigo foi publicado em maio de 2013 pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal. Encontra-se disponível no endereço www.bit.ly/educacaofinlandia.
Felipe Dittrich, sociólogo graduado pela Unicamp e funcionário do Ministério das Relações Exteriores.
Da Gazeta do Povo

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