segunda-feira, 21 de março de 2011

Democracia do Brasil é exemplo para o mundo árabe, diz Obama


No Rio, líder dos EUA traça paralelo entre a luta do País contra a ditadura e as mobilizações árabes e elogia Dilma Rousseff.

Um dia após o Ocidente ter iniciado uma intervenção militar na Líbia, o presidente dos EUA, Barack Obama, elogiou a transição democrática do Brasil como um modelo para o mundo árabe, onde há mobilizações populares no Oriente Médio e norte da África para pôr fim a governos autocráticos. "O Brasil mostrou que uma ditadura pode virar uma democracia. Mostrou que a reivindicação de mudança pode começar na rua e transformar o país, transformar o mundo", disse.

O líder americano fez seu pronunciamento no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na histórica Cinelândia, que foi palco do movimento das "Diretas Já" contra a ditadura militar brasileira (1964-1985). Para Obama, os participantes desse movimento mostraram como uma revolta popular pode produzir uma democracia próspera. "Uma das pessoas que protestaram foi presa e sabe o que é viver sem seus direitos mais básicos. Ela, porém, também sabe o que é perseverar. Hoje ela é a sua presidenta, Dilma Rousseff", afirmou.

Sem mencionar a ação militar que autorizou um dia antes na Líbia, Obama fez uma conexão entre os eventos do país do norte da África e em todo o Oriente Médio. "Vimos a população da Líbia se posicionar de forma corajosa contra um regime determinado a brutalizar seus próprios cidadãos. Vimos uma revolução que surgiu a partir do desejo de uma dignidade básica na Tunísia. Vimos pessoas protestando pacificamente na praça Tahrir, no Egito. Através da região, vimos jovens se levantarem - uma nova geração demandando o direito de determinar seu próprio futuro", disse.

"Desde o início, deixamos claro (Brasil e EUA) que a mudança que eles buscam têm de ser dirigida por sua própria população. Mas como duas nações que lutaram durante várias gerações para aperfeiçoar suas próprias democracias, os EUA e o Brasil sabem que o futuro do mundo árabe será determinado por seus próprios povos", afirmou.

Com elogios ao progresso do povo brasileiro, Obama passou a mensagem de que EUA e Brasil devem trabalhar juntos para o progresso individual de cada país e para o desenvolvimento de outras regiões do mundo. "Por tanto tempo vocês foram chamados de o país do futuro. O Brasil não é mais o país do futuro. O povo do Brasil deve saber que o futuro chegou. Está aqui, agora", afirmou sob aplausos. "O povo americano não apenas reconhece o sucesso do Brasil, mas torce por ele. Ficaremos juntos como parceiros iguais, comprometidos com o progresso que podemos compartilhar", disse.

Durante o discurso, que durou pouco mais de 20 minutos, Obama conquistou a plateia ao falar algumas frases em português, contar sobre suas impressões do Brasil e até citar Jorge Benjor. "Alô, cidade maravilhosa. Boa tarde todo o povo brasileiro", disse, ao subir ao palco.

O presidente agradeceu a acolhida "calorosa" que ele e sua família receberam e o fato de o público ter ido assistir ao discurso em dia de jogo entre Vasco e Botafogo – o que desatou vaias entre torcedores do Flamengo e do Fluminense.

Obama contou que uma de suas primeiras impressões do Brasil foi o filme Orfeu Negro, a que assistiu quando era criança, com sua mãe, e que se passa em uma favela no Brasil durante o Carnaval. "Minha mãe adorava aquele filme", disse. "Minha mãe já morreu. Mas ela nunca imaginaria que a primeira viagem de seu filho ao Brasil seria como presidente dos EUA."

"E eu nunca imaginaria que esse país seria ainda mais bonito do que era no filme. Vocês são, como Jorge Benjor diz, um país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza."

O discurso de Obama vinha sendo considerado o momento em que o presidente americano falaria sobre o papel do Brasil no mundo e o futuro das relações bilaterais. No pronunciamento, Obama listou os vários setores em que os dois países podem cooperar, como ciência e tecnologia, inovação, energia, segurança, meio ambiente e desenvolvimento.

A visita de Obama ocorre depois de um período de esfriamento das relações bilaterais, marcado por posiçoes divergentes durante os últimos dois anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva em temas como o programa nuclear do Irã. A viagem tem sido encarada como uma oportunidade para uma nova fase nas relações, agora sob a presidência de Dilma.

Obama mencionou os dois presidentes no discurso, ao falar que o Brasil mostra que é possível um menino pobre de Pernambuco se tornar presidente, e ao mencionar a história de Dilma, filha de um imigrante que foi torturada durante o governo militar até chegar ao poder.

Em viagem marcada também pelo caráter comercial, especialmente durante a passagem do presidente por Brasília, no sábado, Obama voltou a falar sobre a "necessidade" de expandir negócios e investimentos entre os dois países, principalmente nas áreas de energia e infraestrutura.

E assim como já tinha feito em seus pronunciamentos a empresários e à imprensa na capital, ressaltou as oportunidades de investimento criadas com a realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 e brincou ao dizer que o Rio "não era sua primeira escollha" para sede dos jogos - já que torcia pela escolha de Chicago, seu berço político. "Mas se os jogos nao podem ser em Chicago, nao há outro melhor lugar", disse. "E espero voltar em 2016."

Movimentação na Cinelândia

O discurso seria feito a céu aberto, mas foi transferido para a casa de espetáculos. Centenas de pessoas foram à Cinelândia para tentar acompanhar o pronunciamento por telões. Mas, como eles não foram instalados, muitos ficaram frustrados. “Achei chato, não dava para ouvir nada com a TV (de um bar próximo). Até trouxe minha neta para ver o Obama, mas...”, disse decepcionada a dona de casa Hortência Gomes, moradora do bairro do Estácio.

A estudante Fernanda Osthoff, aluna da Escola Americana, estava entre os convidados que acompanharam o discurso de perto. "O fato de a primeira parada dele na América Latina ter sido no Brasil mostra a importância do País no cenário mundial e a intenção dos EUA em estreitar as relações com a nossa nação", disse ao lado de amigos.

Um grupo de 65 mulheres com idades entre 40 e 85 anos também estava na seleta lista de convidados. Elas fazem parte de um núcleo da terceira idade de Bangu, bairro da zona oeste do Rio.

"Estamos ansiosas para o discurso. Temos lugar cativo para ficar pertinho do presidente", disse Marli Coelho, coordenadora do projeto, antes do início do pronunciamento. "Espero que, a partir dessa viagem, ele cole com a Dilma e traga muitas coisas boas para o Brasil", completou ela, que, assim como suas amigas, usava chapéus com lencinhos da bandeira dos estados unidos.

Do contra

Do lado de fora, entre os que não foram convidados, alguns manifestantes ensaiaram um protesto antes da chegada de Obama ao Theatro Municipal. Integrantes de partidos de esquerda, como o Partido Comunista Brasileiro e o PSOL carregavam bandeiras de Cuba e cartazes contra os ataques à Líbia. Por volta das 14h o grupo se dispersou.

O esquema de segurança na Cinelândia foi reforçado com a presença de soldados do Exército e de policiais militares. A avenida Rio Branco, uma das principais vias do centro do Rio, está interditada desde a avenida Presidente Vargas até a Cinelândia. Com a via sem trânsito, algumas pessoas aproveitaram o espaço para andar de bicicleta e skate.

*Com AP, BBC e reportagem de Anderson Dezan, iG Rio de Janeiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário